Dom Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro
O acolhimento é hoje um dos comportamentos mais almejados por todos os que se encontram perdidos na massa, encobertos pelo anonimato ou, ainda, errantes por esse mundo em fora. Mesmo na área dos relacionamentos sociais, comerciais ou culturais, o atendimento personalizado, que se dá às pessoas, não só conquista a confiança de quem chega, mas denota a qualidade profissional do ambiente a que se chega. Muitas vezes condiciona o êxito ou o fracasso dos objetivos do encontro. A pessoa que chega é alguém com que me defronto, é um acúmulo de valores recônditos que visam ser descobertos e apreciados.
Esse primeiro encontro, normalmente, determina os subseqüentes ou trunca, de vez o relacionamento apenas incipiente. O olhar, o aperto de mão, o abraço ou, até, o beijo respeitoso e acolhedor perfazem a climática que deve tonificar essa acolhida. As palavras e saudações – que expressam e aprofundam os gestos – apenas reforçam o que o jeito de acolher já manifestou.
Em termos de relacionamento na vivência da fé e do amor cristãos, vale a palavra do Divino Mestre: “Quem vos acolhe, acolhe a mim e quem me acolhe, acolhe Aquele que me enviou”
(Mt 10,40).
No prólogo do Evangelho de São João encontramos a triste frase, que assinala uma atitude de desprezo, de carência de critérios de valutação, uma espécie de tragédia histórica: “não o acolheram” (Jo 1,11). Esse designativo dos seus aponta, primeiramente, o povo escolhido e, num horizonte mais amplo, a humanidade toda, até o fim dos tempos. Poucos, realmente, se deliciaram com o Glória dos anjos nas cercanias de Belém de Judá, na noite do nascimento do Messias, o Salvador. Poucos se alegraram com a apressada ida ao encontro do Menino, deitado na manjedoura, indicado pelo anúncio festivo dos anjos (Lc
2,9-17). Evaporou-se, assim, no sono do descuido e da indiferença receptiva a capacidade única de se tornarem “Filhos de Deus, repletos de fé,... nascidos do próprio Deus” (Jo 1,13). Começa nesse instante da história pelo desacolhimento do convite de Deus a triste condição dos que se afastaram de Deus pelos descaminhos da descrença, da rejeição da Transcendência divina, errando pelas trevas das sombras da morte e do desespero... Paulo de Tarso, o grande Apóstolo dos gentios, tentou por todos os meios, ganhar para Cristo os compatriotas e coetâneos, os Judeus, mas estes o rechaçaram, maltrataram, condenaram, preferindo o apego ferrenho às tradições caducas à “novidade do anúncio da vida e da verdade em Jesus de Nazaré”. Ele mesmo, Paulo, deplora e lamenta isso e se dirige, com ardor incansável, aos pagãos.
Estes recebem a boa notícia da salvação com avidez e incontida alegria, purificando a sua vida da impureza e da imoralidade, de crenças inaceitáveis diante da clarividência do Evangelho.
É mérito do acolhimento espontâneo.Toda atitude de acolhimento cristão parte da fé de quem também já foi acolhido por Deus e, agora, recebe os irmãos e irmãs que condividem a mesma dignidade de ”imagens vivas de Deus” (cf. Gn 1,26), de “templos do Espírito Santo. É o fruto de uma fé amadurecida pela caridade” (Gl 5,6) que aceita a pessoa adveniente como um irmão, uma irmã e que caminhará pelos mesmos caminhos da verdade, da justiça e do amor... em demanda do Além.
O que caracteriza, portanto, essa acolhida é a gratuidade de quem tudo recebeu de graça e devolve na mesma proporcionalidade: com delicadeza, cordialidade, atenção e carinho. É esse um dos primeiros requisitos de uma Evangelização em profundidade, que se modela no jeito de Jesus evangelizar, acolhendo com “idênticos sentimentos e emoções” (cf. Fl 2,5).
Quem assim pratica o acolhimento cristão denota ter o sentido de comunidade – unanimidade da mente e do coração – em que será engolfado aquele que chega. Vem do desconhecido, do gelo do anonimato, para integrar-se no espírito e na prática “dos que tinham tudo em comum: o ensinamento dos apóstolos, a solidariedade, a fração do pão, a assiduidade da prece” (At 2,42).
A força espiritual que nos impele a acolher – sem acepção de pessoas – é o altruísmo, a bondade do calor humano e cristão, a condenação de qualquer separatismo, a consciência de que todos somos peregrinos “sem ter aqui cidade permanente, mas buscando a que há de vir” (Ab 13,14).
Ficamos comovidos diante do acolhimento, dado a Jesus, pelos amigos(as) de Betânia, de Zaqueu, o rico coletor de impostos, que recebeu “a Jesus com grande alegria, de pé e, com a promessa de uma radical mudança de vida” (Lc 19 1-10). Esse acolhimento lhe custou o ridículo de subir a única árvore “para ver Jesus passar”, as recriminações de conhecidos e até ali amigos e lhe valeu a garantia do Mestre: “Hoje chegou a salvação a esta casa”. Os desanimados discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35), mesmo julgando o Ressuscitado um peregrino qualquer, fraqueiam-lhe o peso de seus corações, de suas dúvidas e convidam-no a pernoitar com eles: “Fica conosco... o dia vai descambando”. De fato, para eles, estava descambando mais um dia de cruéis sofrimentos, de dúvidas e desânimos diante da acolhida do Ressuscitado que lhes fizera “arder o coração” pela explicação das Escrituras e pela partilha da mesa e do pão. Numa época em que o isolamento, a solidão, as exclusões são cada vez mais freqüentes, torna-se imperioso para a Igreja de Cristo, para todos nós, a virtude cristã do acolhimento, fazendo de nossas comunidades verdadeiras “escolas de comunhão”, como nos pede o Santo Padre, com tanta insistência.
Não tenhamos medo de “ir ao encontro do outro” (que muitas vezes não chega até nós). Não há que recear a franqueza de nossos sentimentos, mesmo da nossa intimidade, de nossa oblata de amizade para tantos irmãos e irmãs afastados, por fora, distantes... à procura mesmo das migalhas que tombam das nossas mesas, fartas de fraternidade e do desejo de evangelizar ao jeito de Jesus.Que a bondade de Jesus, “caminho, verdade e vida” (Jo 14,6), nos conduza e nos conceda persistência!
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro
O acolhimento é hoje um dos comportamentos mais almejados por todos os que se encontram perdidos na massa, encobertos pelo anonimato ou, ainda, errantes por esse mundo em fora. Mesmo na área dos relacionamentos sociais, comerciais ou culturais, o atendimento personalizado, que se dá às pessoas, não só conquista a confiança de quem chega, mas denota a qualidade profissional do ambiente a que se chega. Muitas vezes condiciona o êxito ou o fracasso dos objetivos do encontro. A pessoa que chega é alguém com que me defronto, é um acúmulo de valores recônditos que visam ser descobertos e apreciados.
Esse primeiro encontro, normalmente, determina os subseqüentes ou trunca, de vez o relacionamento apenas incipiente. O olhar, o aperto de mão, o abraço ou, até, o beijo respeitoso e acolhedor perfazem a climática que deve tonificar essa acolhida. As palavras e saudações – que expressam e aprofundam os gestos – apenas reforçam o que o jeito de acolher já manifestou.
Em termos de relacionamento na vivência da fé e do amor cristãos, vale a palavra do Divino Mestre: “Quem vos acolhe, acolhe a mim e quem me acolhe, acolhe Aquele que me enviou”
(Mt 10,40).
No prólogo do Evangelho de São João encontramos a triste frase, que assinala uma atitude de desprezo, de carência de critérios de valutação, uma espécie de tragédia histórica: “não o acolheram” (Jo 1,11). Esse designativo dos seus aponta, primeiramente, o povo escolhido e, num horizonte mais amplo, a humanidade toda, até o fim dos tempos. Poucos, realmente, se deliciaram com o Glória dos anjos nas cercanias de Belém de Judá, na noite do nascimento do Messias, o Salvador. Poucos se alegraram com a apressada ida ao encontro do Menino, deitado na manjedoura, indicado pelo anúncio festivo dos anjos (Lc
2,9-17). Evaporou-se, assim, no sono do descuido e da indiferença receptiva a capacidade única de se tornarem “Filhos de Deus, repletos de fé,... nascidos do próprio Deus” (Jo 1,13). Começa nesse instante da história pelo desacolhimento do convite de Deus a triste condição dos que se afastaram de Deus pelos descaminhos da descrença, da rejeição da Transcendência divina, errando pelas trevas das sombras da morte e do desespero... Paulo de Tarso, o grande Apóstolo dos gentios, tentou por todos os meios, ganhar para Cristo os compatriotas e coetâneos, os Judeus, mas estes o rechaçaram, maltrataram, condenaram, preferindo o apego ferrenho às tradições caducas à “novidade do anúncio da vida e da verdade em Jesus de Nazaré”. Ele mesmo, Paulo, deplora e lamenta isso e se dirige, com ardor incansável, aos pagãos.
Estes recebem a boa notícia da salvação com avidez e incontida alegria, purificando a sua vida da impureza e da imoralidade, de crenças inaceitáveis diante da clarividência do Evangelho.
É mérito do acolhimento espontâneo.Toda atitude de acolhimento cristão parte da fé de quem também já foi acolhido por Deus e, agora, recebe os irmãos e irmãs que condividem a mesma dignidade de ”imagens vivas de Deus” (cf. Gn 1,26), de “templos do Espírito Santo. É o fruto de uma fé amadurecida pela caridade” (Gl 5,6) que aceita a pessoa adveniente como um irmão, uma irmã e que caminhará pelos mesmos caminhos da verdade, da justiça e do amor... em demanda do Além.
O que caracteriza, portanto, essa acolhida é a gratuidade de quem tudo recebeu de graça e devolve na mesma proporcionalidade: com delicadeza, cordialidade, atenção e carinho. É esse um dos primeiros requisitos de uma Evangelização em profundidade, que se modela no jeito de Jesus evangelizar, acolhendo com “idênticos sentimentos e emoções” (cf. Fl 2,5).
Quem assim pratica o acolhimento cristão denota ter o sentido de comunidade – unanimidade da mente e do coração – em que será engolfado aquele que chega. Vem do desconhecido, do gelo do anonimato, para integrar-se no espírito e na prática “dos que tinham tudo em comum: o ensinamento dos apóstolos, a solidariedade, a fração do pão, a assiduidade da prece” (At 2,42).
A força espiritual que nos impele a acolher – sem acepção de pessoas – é o altruísmo, a bondade do calor humano e cristão, a condenação de qualquer separatismo, a consciência de que todos somos peregrinos “sem ter aqui cidade permanente, mas buscando a que há de vir” (Ab 13,14).
Ficamos comovidos diante do acolhimento, dado a Jesus, pelos amigos(as) de Betânia, de Zaqueu, o rico coletor de impostos, que recebeu “a Jesus com grande alegria, de pé e, com a promessa de uma radical mudança de vida” (Lc 19 1-10). Esse acolhimento lhe custou o ridículo de subir a única árvore “para ver Jesus passar”, as recriminações de conhecidos e até ali amigos e lhe valeu a garantia do Mestre: “Hoje chegou a salvação a esta casa”. Os desanimados discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35), mesmo julgando o Ressuscitado um peregrino qualquer, fraqueiam-lhe o peso de seus corações, de suas dúvidas e convidam-no a pernoitar com eles: “Fica conosco... o dia vai descambando”. De fato, para eles, estava descambando mais um dia de cruéis sofrimentos, de dúvidas e desânimos diante da acolhida do Ressuscitado que lhes fizera “arder o coração” pela explicação das Escrituras e pela partilha da mesa e do pão. Numa época em que o isolamento, a solidão, as exclusões são cada vez mais freqüentes, torna-se imperioso para a Igreja de Cristo, para todos nós, a virtude cristã do acolhimento, fazendo de nossas comunidades verdadeiras “escolas de comunhão”, como nos pede o Santo Padre, com tanta insistência.
Não tenhamos medo de “ir ao encontro do outro” (que muitas vezes não chega até nós). Não há que recear a franqueza de nossos sentimentos, mesmo da nossa intimidade, de nossa oblata de amizade para tantos irmãos e irmãs afastados, por fora, distantes... à procura mesmo das migalhas que tombam das nossas mesas, fartas de fraternidade e do desejo de evangelizar ao jeito de Jesus.Que a bondade de Jesus, “caminho, verdade e vida” (Jo 14,6), nos conduza e nos conceda persistência!
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