Somente no júbilo da ressurreição torna-se totalmente claro o misterioso valor da dor, da abnegação, do sofrimento.
A imponente cúpula da Basílica de São Pedro no Vaticano, a 120 metros sobre nível do piso da Igreja, faz exultar, na mais bela abóbada da arte cristã, o triunfo de Cristo e de todos os seus santos. Mas ao solo, abaixo da cúpula, está o altar, lugar do sacrifício e da morte, da qual brota o triunfo da ressurreição. Ambas, morte e ressurreição, são celebradas a cada dia na Santa Missa. Com genial inspiração esculpiu Bernini nas quatro bases, que, em torno ao altar, sustentam as colunas e o baldaquino, a interpretação artística e teológica da dor e do amor.
Em uma sequência de oito esculturas se vê a angústia, a dor e o total esgotamento estampado na face de uma mãe que deve dar à luz. A dor da parturiente chega ao limite de sua capacidade. Vida e morte parecem tocar-se. Esta dor, porém, não é maldita, é véu a esconder e a revelar a maternidade, anuncia a misteriosa grandeza da vida, revela a luminosa beleza que vive em cada ser humano. Pois, na oitava imagem, a mãe cede o lugar à criança, que, apenas nascida, irradia a exultante alegria do primeiro sorriso de quem, inocente, saúda o júbilo da vida.
De quantas maneiras, dor e amor, em nossas vidas, são irmanados entre si! Assim, nas discretas renúncias de uma verdadeira amizade, a alegria é fruto fecundo de corações que sabem ultrapassar-se. Não é isto a síntese pascal da Cruz e da Ressurreição?
No entanto, para entendermos toda a mensagem vitoriosa da ressurreição, devemos contemplar a cruz com a percepção das testemunhas oculares que, inermes, suportavam com Ele o silencioso anoitecer sobre a hedionda morte de um inocente.
O Santo Padre Bento XVI, em sua mensagem para a Quaresma de 2010 anuncia sabiamente este mistério da Cruz e Ressurreição. Na Cruz manifesta-se, diz ele, a justiça divina, fundamentalmente diferente da justiça humana. A justiça dos homens decreta: “A cada um, o que é seu”. Na graça divina da Cruz, neste infinito amor de Deus, é invertida aquela ordem. “Deus vai até ao extremo, até a aceitar para si a maldição destinada ao homem” e toda a maldade fratricida do mundo. Assumindo para si esta maldição do pecado, como diz São Paulo aos Gálatas (3,13), Deus transforma a maldição por nós merecida em bênção eterna gratuita.
Só o amor é a vitória sobre a dor, sobre o medo, sobre o desespero. O perdão da Cruz vence o pecado e o inferno! Esta transformação da justiça humana em justiça divina teve início já durante a morte de Jesus. “Os guardas espancaram-no (...) e proferiam contra ele muitos outros insultos” (Lc 22,63-65). Contra o julgamento correto de Pilatos: “Não encontro nesse homem motivo algum de condenação” (Lc 23,4.15), os chefes do povo forjam, daquilo que antes devia ser acusação religiosa (“Ele se fez Deus”), incriminação política (“Ele subleva o povo ... contra o Imperador”). A plebe, massa instigada pelos chefes e pelo ódio, gritava: “Crucifica-o, crucifica-o” (Lc 23,20). Ensangüentado, flagelado, coroado de espinhos, arrastava a Cruz. Ainda na cruz, “os chefes zombavam... e os soldados caçoavam dele” (Lc 23,35s). Todo este triunfo infernal que se encenava contra Jesus, a justiça divina começa a se manifestar, abre-se sobre a Cruz a aurora da Páscoa. Jesus, com toda a sua força, clama sobre a multidão: “Pai, perdoa-lhes; eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Já se estava abrindo o céu sobre os horrores daquele nefasto martírio de Jesus. Ao malfeitor arrependido ele responde: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (cf. Lc 23,43).
E agora, definitivamente, abre-se a terra para o céu: Jesus, ao expirar, transforma a sua morte cruel em oblação e adoração; ele brada sobre o mundo: “Pai, em tuas mãos, em teu amor, em teu plano de misericordiosa salvação, eu entrego o meu espírito” (Lc 23,46).
O clamor da Ressurreição, no início, timidamente, ia crescendo e tornou-se um grande coro que começou a encher o mundo. O anúncio: “O túmulo está vazio” cortou o silêncio do pavor e do desespero. O poder dos inimigos, tão prepotente nos dias anteriores, entrou em imediato colapso. “Os chefes dos sacerdotes deram aos soldados uma vultosa quantidade de dinheiro, recomendando: Dizei que os seus discípulos vieram de noite e o roubaram” (Mt 28,12s).
Diante da luz da Páscoa, a maldade fica impotente. Os apóstolos, acordados pelas mulheres, saíram dos seus esconderijos, e começaram a fazer algo totalmente novo. Não “ensinavam” apenas que a morte era vencida pela ressurreição. Este ensino virá mais tarde com toda clareza e força. Mas eles começavam a testemunhar, testemunhar com suas vidas, com sua morte e com seu martírio: Jesus vive, aquele o que estava morto já não está mais morto e já não pode morrer. Ele, glorioso, está sentado na Glória à direita do Pai. Para todos nós que somos batizados, crismados e testemunhamos com nossa vida a fé, começou a vitória pascal; e nós ressuscitaremos com Ele!
Dom Eugenio de Araujo Sales
Cardeal Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro
A imponente cúpula da Basílica de São Pedro no Vaticano, a 120 metros sobre nível do piso da Igreja, faz exultar, na mais bela abóbada da arte cristã, o triunfo de Cristo e de todos os seus santos. Mas ao solo, abaixo da cúpula, está o altar, lugar do sacrifício e da morte, da qual brota o triunfo da ressurreição. Ambas, morte e ressurreição, são celebradas a cada dia na Santa Missa. Com genial inspiração esculpiu Bernini nas quatro bases, que, em torno ao altar, sustentam as colunas e o baldaquino, a interpretação artística e teológica da dor e do amor.
Em uma sequência de oito esculturas se vê a angústia, a dor e o total esgotamento estampado na face de uma mãe que deve dar à luz. A dor da parturiente chega ao limite de sua capacidade. Vida e morte parecem tocar-se. Esta dor, porém, não é maldita, é véu a esconder e a revelar a maternidade, anuncia a misteriosa grandeza da vida, revela a luminosa beleza que vive em cada ser humano. Pois, na oitava imagem, a mãe cede o lugar à criança, que, apenas nascida, irradia a exultante alegria do primeiro sorriso de quem, inocente, saúda o júbilo da vida.
De quantas maneiras, dor e amor, em nossas vidas, são irmanados entre si! Assim, nas discretas renúncias de uma verdadeira amizade, a alegria é fruto fecundo de corações que sabem ultrapassar-se. Não é isto a síntese pascal da Cruz e da Ressurreição?
No entanto, para entendermos toda a mensagem vitoriosa da ressurreição, devemos contemplar a cruz com a percepção das testemunhas oculares que, inermes, suportavam com Ele o silencioso anoitecer sobre a hedionda morte de um inocente.
O Santo Padre Bento XVI, em sua mensagem para a Quaresma de 2010 anuncia sabiamente este mistério da Cruz e Ressurreição. Na Cruz manifesta-se, diz ele, a justiça divina, fundamentalmente diferente da justiça humana. A justiça dos homens decreta: “A cada um, o que é seu”. Na graça divina da Cruz, neste infinito amor de Deus, é invertida aquela ordem. “Deus vai até ao extremo, até a aceitar para si a maldição destinada ao homem” e toda a maldade fratricida do mundo. Assumindo para si esta maldição do pecado, como diz São Paulo aos Gálatas (3,13), Deus transforma a maldição por nós merecida em bênção eterna gratuita.
Só o amor é a vitória sobre a dor, sobre o medo, sobre o desespero. O perdão da Cruz vence o pecado e o inferno! Esta transformação da justiça humana em justiça divina teve início já durante a morte de Jesus. “Os guardas espancaram-no (...) e proferiam contra ele muitos outros insultos” (Lc 22,63-65). Contra o julgamento correto de Pilatos: “Não encontro nesse homem motivo algum de condenação” (Lc 23,4.15), os chefes do povo forjam, daquilo que antes devia ser acusação religiosa (“Ele se fez Deus”), incriminação política (“Ele subleva o povo ... contra o Imperador”). A plebe, massa instigada pelos chefes e pelo ódio, gritava: “Crucifica-o, crucifica-o” (Lc 23,20). Ensangüentado, flagelado, coroado de espinhos, arrastava a Cruz. Ainda na cruz, “os chefes zombavam... e os soldados caçoavam dele” (Lc 23,35s). Todo este triunfo infernal que se encenava contra Jesus, a justiça divina começa a se manifestar, abre-se sobre a Cruz a aurora da Páscoa. Jesus, com toda a sua força, clama sobre a multidão: “Pai, perdoa-lhes; eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Já se estava abrindo o céu sobre os horrores daquele nefasto martírio de Jesus. Ao malfeitor arrependido ele responde: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (cf. Lc 23,43).
E agora, definitivamente, abre-se a terra para o céu: Jesus, ao expirar, transforma a sua morte cruel em oblação e adoração; ele brada sobre o mundo: “Pai, em tuas mãos, em teu amor, em teu plano de misericordiosa salvação, eu entrego o meu espírito” (Lc 23,46).
O clamor da Ressurreição, no início, timidamente, ia crescendo e tornou-se um grande coro que começou a encher o mundo. O anúncio: “O túmulo está vazio” cortou o silêncio do pavor e do desespero. O poder dos inimigos, tão prepotente nos dias anteriores, entrou em imediato colapso. “Os chefes dos sacerdotes deram aos soldados uma vultosa quantidade de dinheiro, recomendando: Dizei que os seus discípulos vieram de noite e o roubaram” (Mt 28,12s).
Diante da luz da Páscoa, a maldade fica impotente. Os apóstolos, acordados pelas mulheres, saíram dos seus esconderijos, e começaram a fazer algo totalmente novo. Não “ensinavam” apenas que a morte era vencida pela ressurreição. Este ensino virá mais tarde com toda clareza e força. Mas eles começavam a testemunhar, testemunhar com suas vidas, com sua morte e com seu martírio: Jesus vive, aquele o que estava morto já não está mais morto e já não pode morrer. Ele, glorioso, está sentado na Glória à direita do Pai. Para todos nós que somos batizados, crismados e testemunhamos com nossa vida a fé, começou a vitória pascal; e nós ressuscitaremos com Ele!
Dom Eugenio de Araujo Sales
Cardeal Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro
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