domingo, 12 de setembro de 2010

XXIV Domingo do Tempo Comum (Ano C)


Roteiro Homilético – XXIV Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Dehonianos


(Província portuguesa dos sacerdotes do Coração de Jesus)


TEMA

A liturgia deste domingo centra a nossa reflexão na lógica do amor de Deus. Sugere que Deus ama o homem, infinita e incondicionalmente; e que nem o pecado nos afasta desse amor…

A primeira leitura apresenta-nos a atitude misericordiosa de Jahwéh face à infidelidade do Povo. Neste episódio – situado no Sinai, no espaço geográfico da aliança – Deus assume uma atitude que se vai repetir vezes sem conta ao longo da história da salvação: deixa que o amor se sobreponha à vontade de punir o pecador.

Na segunda leitura, Paulo recorda algo que nunca deixou de o espantar: o amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Esse amor derrama-se incondicionalmente sobre os pecadores, transforma-os e torna-os pessoas novas. Paulo é um exemplo concreto dessa lógica de Deus; por isso, não deixará de testemunhar o amor de Deus e de Lhe agradecer.

O Evangelho apresenta-nos o Deus que ama todos os homens e que, de forma especial, Se preocupa com os pecadores, com os excluídos, com os marginalizados. A parábola do “filho pródigo”, em especial, apresenta Deus como um pai que espera ansiosamente o regresso do filho rebelde, que o abraça quando o avista, que o faz reentrar em sua casa e que faz uma grande festa para celebrar o reencontro.

LEITURA I – Ex 32,7-11.13-14


Naqueles dias, O Senhor falou a Moisés, dizendo: «Desce depressa, porque o teu povo, que tiraste da terra do Egipto, corrompeu-se. Não tardaram em desviar-se do caminho que lhes tracei. Fizeram um bezerro de metal fundido, prostraram-se diante dele, ofereceram-lhe sacrifícios e disseram: ‘Este é o teu Deus, Israel, que te fez sair da terra do Egipto’». O Senhor disse ainda a Moisés: «Tenho observado este povo: é um povo de dura cerviz. Agora deixa que a minha indignação se inflame contra eles e os destrua. De ti farei uma grande nação». Então Moisés procurou aplacar o Senhor seu Deus, dizendo: «Por que razão, Senhor, se há-de inflamar a vossa indignação contra o vosso povo, que libertastes da terra do Egipto com tão grande força e mão tão poderosa? Lembrai-Vos dos vossos servos Abraão, Isaac e Israel, a quem jurastes pelo vosso nome, dizendo: ‘Farei a vossa descendência tão numerosa como as estrelas do céu e dar-lhe-ei para sempre em herança toda a terra que vos prometi’». Então o Senhor desistiu do mal com que tinha ameaçado o seu povo.

AMBIENTE

O texto que nos é proposto está integrado na segunda parte do Livro do Êxodo; aí, apresentam-se as tradições que dizem respeito ao compromisso de amor e de comunhão que Israel aceitou estabelecer com Jahwéh. São as “tradições sobre a aliança” (cf. Ex 19-40).

O texto situa-nos em frente de um monte, no deserto do Sinai. Em si, o nome “Sinai” designa uma enorme península em forma triangular, com mais ou menos 420 Km de extensão norte/sul, estendendo-se entre o golfo do Suez, no Mediterrâneo e o golfo da Áqaba, no mar Vermelho. A península inteira é um deserto árido, com vegetação escassa (excepto em alguns raros oásis), semeada de montanhas que chegam a atingir os 2400 metros de altitude. As hipóteses de situar exactamente o “monte da aliança” são ténues; no entanto, uma tradição cristã do séc. IV d.C. identifica o “monte da aliança” com o “Gebel Musa” (“monte de Moisés”), uma montanha com 2244 metros de altitude, situada a sul da península sinaítica. Embora a identificação do “monte da aliança” com este lugar seja problemática, o “Gebel Musa” é, ainda hoje, um lugar de peregrinação para judeus e cristãos.

Seja qual for o lugar da aliança, o facto é que o texto nos situa em frente de um “monte” não identificado da península sinaítica, onde Israel celebrou uma aliança com o seu Deus. Depois de Moisés subir ao monte para receber de Deus as tábuas da Lei (cf. Ex 31,18), o Povo, reunido no sopé da montanha à espera de Moisés, construiu um bezerro de ouro e infringiu, dessa forma, os termos da aliança (cf. Ex 32,1-6).

MENSAGEM

O tema fundamental que o texto nos propõe gira à volta da resposta de Deus ao pecado do Povo.

A primeira parte (vers. 7-10) descreve o pecado do Povo e uma primeira reacção de Deus. Perante a ausência de Moisés no monte sagrado, o Povo constrói um bezerro de oiro. O bezerro de ouro não pretende ser um novo deus, mas uma imagem de Jahwéh (“este é o teu Deus, Israel, que te fez sair da terra do Egipto” – vers. 8); de qualquer forma, o Povo “desviou-se do caminho” que Deus lhe havia ordenado, pois infringiu o segundo mandamento do Decálogo (segundo o qual, Israel não devia fazer imagens de Jahwéh: por um lado, o não representar Deus permitia salvaguardar a transcendência de Jahwéh, já que a “imagem” era uma definição de Deus e Deus não pode ser definido pelo homem; por outro lado, a luta contra os deuses e cultos pagãos era impossível se não se proibiam também os seus símbolos e imagens). O pedido de Deus a Moisés (“agora deixa-Me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruílos ei; mas farei de ti uma grande nação” – vers. 10) pode ser posto em paralelo com a promessa a Abraão de Gn 12,2: Deus fala de tudo recomeçar com Moisés, como fez com Abraão.

Na segunda parte (vers. 11-14), descreve-se a intercessão de Moisés e a misericórdia de Deus. O texto começa com a referência a Moisés que “deitou água na fervura” (literalmente: “acalmou a face de Deus” – vers. 11a). As palavras de intercessão de Moisés (vers. 11b-13) não fazem referência aos méritos do Povo, mas à honra de Deus e à sua fidelidade às promessas assumidas para com o Povo no âmbito da aliança.

A resposta final de Deus (vers. 14) põe em relevo a sua misericórdia. Não são os méritos do Povo que sustêm o castigo; mas é o amor de Deus, a sua lealdade aos compromissos, a sua “justiça” (que é misericórdia, ternura, bondade) que acabam por triunfar. O amor infinito de Deus pelo seu Povo acaba sempre por falar mais alto do que a sua vontade de castigar os desvios e infidelidades.

ACTUALIZAÇÃO

Para a reflexão do texto, considerar os seguintes elementos:

* Antes de mais, o texto sublinha a lealdade de Deus para com o seu Povo, a “justiça” que marca a relação de Jahwéh com Israel (entendida como fidelidade aos compromissos assumidos por Deus para com os homens). Fica, aqui, claro que a essência de Deus é esse amor gratuito que Ele derrama gratuitamente sobre os homens, qualquer que seja o seu pecado… Deus ama infinitamente, seja qual for a resposta do homem; e esse amor nunca será desmentido. É à luz desta perspectiva que devemos encarar Deus e a sua relação connosco.

* O pecado dos israelitas (a construção de uma imagem deturpada de Deus) levanos a questionar as imagens que, às vezes, construímos e transmitimos de Deus… O Deus em Quem acreditamos e que testemunhamos, quem é? É o Deus que Se revelou como amor, bondade, misericórdia, ao longo da história da salvação, ou é um Deus vingativo e cruel, que não desculpa as faltas dos homens e que anda à cata de qualquer comportamento faltoso para deixar cair sobre eles a sua cólera e a sua crueldade? Não esqueçamos: testemunhar um Deus vingativo, impositivo, sem coração e sem misericórdia, é fabricar uma falsa imagem de Deus.

* Atente-se na atitude de Moisés, face à indignação de Deus: intercede pelo Povo e não deixa que a ambição pessoal se sobreponha ao interesse de Israel (de acordo com o texto, Deus propôs-lhe: “deixa que a minha indignação se inflame contra eles e os destrua; de ti farei uma grande nação”; mas Moisés não aceitou a proposta). A atitude de Moisés é uma atitude “fácil”, à luz dos critérios dos homens? Quantas vezes os homens são capazes de “vender a alma ao diabo” para subir, para ter êxito, para chegar a presidir a qualquer coisa? Quantas vezes os homens são capazes de sacrificar os valores mais sagrados para serem conhecidos, famosos, invejados, ou para adquirir uma fatia mais de poder e de influência?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 50 (51)

Refrão: Vou partir e vou ter com meu pai.

Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade,

pela vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados.

Lavai-me de toda a iniquidade

e purificai-me de todas as faltas.

Criai em mim, ó Deus, um coração puro

e fazei nascer dentro de mim um espírito firme.

Não queirais repelir-me da vossa presença

e não retireis de mim o vosso espírito de santidade

Abri, Senhor, os meus lábios

e a minha boca anunciará o vosso louvor.

Sacrifício agradável a Deus é um espírito arrependido:

não desprezeis, Senhor, um espírito humilhado e contrito.

LEITURA II – 1 Tim 1,12-17


Caríssimo: Dou graças Àquele que me deu força, Jesus Cristo, Nosso Senhor, que me julgou digno de confiança e me chamou ao seu serviço, a mim que tinha sido blasfemo, perseguidor e violento. Mas alcancei misericórdia, porque agi por ignorância, quando ainda era descrente. A graça de Nosso Senhor superabundou em mim, com a fé e a caridade que temos em Cristo Jesus. É digna de fé esta palavra e merecedora de toda a aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores e eu sou o primeiro deles. Mas alcancei misericórdia, para que, em mim primeiramente, Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade, como exemplo para os que hão-de acreditar n’Ele, para a vida eterna. Ao Rei dos séculos, Deus imortal, invisível e único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amen.

AMBIENTE

O Timóteo aqui referenciado era natural de Listra (Licaónia), filho de pai grego e de mãe judeo-cristã. Aparece no Livro dos Actos como companheiro inseparável de Paulo, a partir da segunda viagem missionária. Paulo teria confiado a Timóteo missões importantes entre os tessalonicenses (cf. 1 Tess 3,2.6) e entre os coríntios (cf. 1 Cor 4,1.17;16,10-11). Ainda muito jovem Timóteo recebeu de Paulo a responsabilidade pastoral das Igrejas da província da Ásia (cf. 1 Tim 4,12). A tradição considera-o como o primeiro bispo de Éfeso.

Esta carta apresenta-se como escrita por Paulo a Timóteo, quando este está encarregado da animação da Igreja de Éfeso. Contém uma série de instruções que versam, fundamentalmente, sobre três temas: a organização da comunidade, a forma de combater os hereges e a vida cristã dos fiéis. Convém, no entanto, acrescentar que a maior parte dos comentadores não considera esta carta de autoria paulina: a linguagem e a teologia não parecem ser paulinas; e, sobretudo, a carta supõe um modelo de organização eclesial que é dos finais do séc. I d.C. (Paulo teria morrido na perseguição de Nero, por volta de 66/67 d.C.).

MENSAGEM

No texto que nos é proposto, Paulo recorda, agradecido, a sua história de vocação. O apóstolo afirma que recebeu de Cristo o seu ministério; e proclama que isso se deve, não aos seus méritos, mas à misericórdia de Deus.

Paulo tem consciência do seu passado de perseguidor violento da Igreja de Cristo. É verdade que Paulo actuou dessa forma por ignorância; no entanto, isso não o exime de culpa… Apesar desse passado duvidoso, Deus, na sua bondade, cumulou-o da sua graça.

Paulo reconhece que Cristo “veio ao mundo para salvar os pecadores”, entre os quais Paulo se inclui. Pelo exemplo de Paulo, fica evidente a misericórdia e a magnanimidade de Deus, que se derrama sobre todos os homens, sejam quais forem as faltas cometidas. A partir deste exemplo, todos os homens são convidados a tomar consciência da bondade de Deus e a responder-lhe da mesma forma que Paulo: com o dom da vida e com o empenho sério no testemunho desse projecto de amor que Deus tem para oferecer. O profundo reconhecimento que Paulo sente diante da misericórdia com que Deus o distinguiu leva-o a um canto de louvor que, neste texto, apresenta contornos litúrgicos (“ao rei dos séculos, Deus imortal, invisível e único, honra e glória pelos séculos dos séculos, amén” – vers. 17).

ACTUALIZAÇÃO


Na reflexão e partilha, considerar as seguintes linhas:

* Antes de mais, somos convidados a tomar consciência do amor que Deus oferece a todos os homens, sem excepção, sejam quais forem as suas faltas… Foi esse Deus que Paulo experimentou e que testemunhou; é esse, também, o Deus que experimentamos e testemunhamos?

* Entre os cristãos existe, muitas vezes, a convicção de que a “justiça de Deus” é a aplicação rigorosa da lei; assim, Deus trataria bem os bons, enquanto que castigaria, natural e objectivamente, os maus… A história de Paulo – e a história de tantos homens e mulheres, ao longo dos séculos – é um desmentido desta lógica: o amor de Deus derrama-se sobre todos os homens, mesmo sobre aqueles que têm vidas duvidosas e pecadoras. Bons e maus, a todos Deus ama, sem excepção. E nós? Somos filhos deste Deus e amamos os nossos irmãos, sem distinções? Às vezes ouvem-se – mesmo entre os cristãos – expressões de ódio e de desprezo em relação àqueles que cometem desacatos ou que têm comportamentos que reprovamos… Como conciliar essas atitudes com o exemplo de amor sem restrições que Deus nos oferece?

* O nosso texto termina com um hino de louvor ao Deus que ama, sem excepções… Sentimo-nos agradecidos a Deus por esse amor nunca desmentido, que se derrama sobre nós, sejam quais forem as circunstâncias?

ALELUIA - 2 Cor 5,19

Em Cristo, Deus reconcilia o mundo consigo e confiou-nos a palavra da reconciliação.

EVANGELHO – Lc 15,1-32


Naquele tempo, os publicanos e os pecadores aproximaram-se todos de Jesus, para O ouvirem. Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe os pecadores e come com eles». Jesus disse-lhes então a seguinte parábola: «Quem de vós, que possua cem ovelhas e tenha perdido uma delas, não deixa as outras noventa e nove no deserto, para ir à procura da que anda perdida, até a encontrar? Quando a encontra, põe-na alegremente aos ombros e, ao chegar a casa, chama os amigos e vizinhos e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’. Eu vos digo: Assim haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se arrependa, do que por noventa e nove justos, que não precisam de arrependimento. Ou então, qual é a mulher que, possuindo dez dracmas e tendo perdido uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e procura cuidadosamente a moeda até a encontrar? Quando a encontra, chama as amigas e vizinhas e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida’. Eu vos digo: Assim haverá alegria entre os Anjos de Deus por um pecador que se arrependa». Jesus disse-lhes ainda: «Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me parte da herança que me toca’. O pai repartiu os bens pelos filhos. Alguns dias depois, o filho mais novo, juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante e por lá esbanjou quanto possuía, numa vida dissoluta. Tendo gasto tudo, houve uma grande fome naquela região e ele começou a passar privações. Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra que o mandou para os seus campos guardar porcos. Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. Então, caindo em si, disse: ‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus trabalhadores’. Pôs-se a caminho e foi ter com o pai. Ainda ele estava longe, quando o pai o viu: Enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. Disse-lhe o filho: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’. E começou a festa. Ora o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. O servo respondeu-lhe: ‘O teu irmão voltou e teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque ele chegou são e salvo’. Ele ficou ressentido e não queria entrar. Então o pai veio cá fora instar com ele. Mas ele respondeu ao pai: ‘Há tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos. E agora, quando chegou esse teu filho, que consumiu os teus bens com mulheres de má vida, mataste-lhe o vitelo gordo’. Disse-lhe o pai: ‘Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’».

AMBIENTE

No “caminho para Jerusalém” aparece, em dado momento, uma catequese sobre a misericórdia de Deus… Com efeito, todo o capítulo 15 de Lucas é preenchido com as chamadas “parábolas da misericórdia”.

Trata-se de um tema caro a Lucas. Para este evangelista, Jesus é o Deus que veio ao encontro dos homens para lhes oferecer, em gestos concretos, a salvação. As parábolas da misericórdia expressam, de forma privilegiada, o amor de Deus que se derrama sobre os pecadores.

A parábola da ovelha perdida – a primeira que o Evangelho de hoje nos propõe – é comum a Lucas e Mateus (cf. Mt 18,12-14), embora em Mateus apareça em contexto diverso: trata-se de material que provém, provavelmente, da “fonte Q” (colecção de “ditos” de Jesus, que Mateus e Lucas utilizaram na composição dos respectivos evangelhos). As parábolas da dracma perdida e do filho pródigo (as outras duas parábolas que completam este capítulo) são exclusivas de Lucas.

O discurso de Jesus apresentado em Lc 15 é enquadrado, pelo evangelista, numa situação concreta. Ao ver que alguns infractores notórios da moral pública (como os cobradores de impostos) se aproximavam de Jesus e eram acolhidos por Ele, os fariseus e os escribas (que não admitiam qualquer contacto com os pecadores e os desclassificados e até mudavam de passeio para não se cruzar com eles) expressaram a sua admiração por Jesus os acolher e por (atitude inaudita!) Se sentar à mesa com eles (o sentar-se à mesa expressava familiaridade, comunhão de vida e de destinos). É essa crítica que vai provocar o discurso de Jesus sobre a atitude misericordiosa de Deus.

MENSAGEM

As três parábolas da misericórdia pretendem, portanto, justificar o comportamento de Jesus para com os publicanos e pecadores. Elas definem a “lógica de Deus” em relação a esta questão.

A primeira parábola (vers. 4-7) é a da ovelha perdida. Trata-se de uma parábola que, lida à luz da razão, é ilógica e incoerente, pois não é normal abandonar noventa e nove ovelhas por causa de uma; também não faz sentido todo o espalhafato criado à volta de um facto banal como é o reencontro com uma ovelha que se extraviou… Nesses exageros e nessas reacções desproporcionadas revela-se, contudo, a mensagem essencial da parábola… O “deixar as noventa e nove ovelhas para ir ao encontro da que estava perdida” mostra a preocupação de Deus com cada homem que se afasta da comunidade da salvação; o “pôr a ovelha aos ombros” significa o cuidado e a solicitude de Deus, que trata com cuidado e com amor os filhos que se afastaram e que necessitam de cuidados especiais; a alegria desproporcionada do pastor que encontrou a ovelha mostra a alegria de Deus, sempre que encontra um filho que se afastou da comunhão com Ele.

A segunda parábola (vers. 8-10) reafirma o ensinamento da primeira. O amor misericordioso e constante de Deus busca aquele que se perdeu e alegra-se quando o encontra. A imagem da mulher preocupada, que varre a casa de cima a baixo, ilustra a preocupação de Deus em reencontrar aqueles que se afastaram da comunhão com Ele. Também aqui há, como na parábola anterior, a referência à alegria do reencontro: essa alegria manifesta a felicidade de Deus diante do pecador que volta.

A terceira parábola (vers. 11-32) apresenta o quadro de um pai (Deus), em cujo coração triunfa sempre o amor pelo filho, aconteça o que acontecer. Ele continua a amar o filho rebelde e ingrato, apesar da sua ausência, do seu orgulho e da sua autosuficiência; e esse amor acaba por revelar-se na forma emocionada como recebe o filho, quando ele resolve voltar para a casa paterna. Esta parábola apresenta a lógica de Deus, que respeita absolutamente a liberdade e as decisões dos seus filhos, mesmo que eles usem essa liberdade para buscar a felicidade em caminhos errados; e, aconteça o que acontecer, continua a amar, a esperar ansiosamente o regresso do filho, preparado para o acolher com alegria e amor. É essa a lógica que Jesus quer propor aos fariseus e escribas (os “filhos mais velhos”) que, a propósito dos pecadores que tinham abandonado a “casa do Pai”, professavam uma atitude de intolerância e de exclusão.

O que está, portanto, em causa nas três parábolas da misericórdia é a justificação da atitude de Jesus para com os pecadores. Jesus deixa claro que a sua atitude se insere na lógica de Deus em relação aos filhos afastados. Deus não os rejeita, não os marginaliza, mas ama-os com amor de Pai… Preocupa-se com eles, vai ao seu encontro, solidariza-Se com eles, estabelece com eles laços de familiaridade, abraçaos com emoção, cuida deles com solicitude, alegra-Se e faz festa quando eles voltam à casa do Pai. Esta é a forma de Deus actuar em relação aos seus filhos, sem excepção; e é essa atitude de Deus que Jesus revela ao acolher os pecadores e ao sentar-Se com eles à mesa. Por muito que isso custe aos fariseus, essa é a lógica de Deus; e todos os “filhos de Deus” devem acolher esta lógica e actuar da mesma forma.

ACTUALIZAÇÃO


Considerar, na reflexão, os seguintes desenvolvimentos:

* Essencialmente, as parábolas da misericórdia revelam-nos um Deus que ama todos os seus filhos, sem excepção, mas que tem um “fraco” pelos marginalizados, pelos excluídos, pelos pecadores… O seu amor não é condicional: Ele ama, apesar do pecado e do afastamento do filho. Esse amor manifesta-se em atitudes exageradas, desproporcionadas, de cuidado, de solicitude; revela-se também na “festa” que se sucede a cada reencontro… Não é que Deus pactue com o pecado; Deus abomina o pecado, mas não deixa de amar o pecador. É este Deus – “escandaloso” para os que se consideram justos, perfeitos, irrepreensíveis, mas fascinante e amoroso para todos aqueles que estão conscientes da sua fragilidade e do seu pecado – que somos convidados a descobrir.

* Se essa é a lógica de Deus em relação aos pecadores, é essa mesma lógica que deve marcar a minha atitude face àqueles que me ofendem e, mesmo, face àqueles que têm vidas duvidosas ou moralmente reprováveis. Como é que eu acolho aqueles que me ofendem, ou que assumem comportamentos considerados reprováveis: com intolerância e fanatismo, ou com respeito pela sua dignidade de pessoas?

* Face ao aumento da criminalidade e da violência cria-se, por vezes, um clima social de alguma histeria e radicalismo. Exigem-se castigos mais severos e os adeptos das soluções definitivas chegam a falar na pena de morte para certos crimes. Que sentido é que isto faz, à luz da lógica de Deus?

* Ser testemunha da misericórdia e do amor de Deus no mundo não significa, no entanto, pactuar com o pecado… O pecado – tudo o que gera ódio, egoísmo, injustiça, opressão, mentira, sofrimento – é mau e deve ser combatido e vencido. Distingamos claramente as coisas: Deus convida-me a amar o pecador e a acolhêlo sempre como um irmão; mas convida-me também a lutar objectivamente contra o mal – todo o mal – pois ele é uma negação desse amor de Deus que eu devo testemunhar.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM

(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 24º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. DESENVOLVER O RITO PENITENCIAL.

O Evangelho deste domingo incide particularmente na caminhada de penitência e de conversão. Esta poderia ser sublinhada no rito penitencial, utilizando a primeira fórmula da recitação do “Confesso a Deus” e cântico do Kyrie: tempo de silêncio após a introdução do rito; tempo de silêncio entre o final de “Confesso a Deus” e a fórmula de conclusão; tempo de silêncio antes da recitação do Kyrie. A seguir, canta-se o

“Glória a Deus” para exprimir a alegria da conversão.

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:

“Deus de Israel, Deus das promessas renovadas e da Aliança fiel, Tu que guiaste Moisés para que ele conduzisse o teu povo fora do Egipto, nós Te bendizemos pela paciência e pelo perdão que nos revelas.

Nós invocamos o teu perdão para as nossas infidelidades para contigo, para o esquecimento dos teus ensinamentos e para os nossos afastamentos do caminho da vida”.

No final da segunda leitura:

“Nosso Pai, honra e glória a Ti, Rei dos séculos, Deus único, invisível e imortal, pelos séculos dos séculos. Nós, pecadores, afirmamos o nosso reconhecimento pelo teu perdão, que nos faz levantar todos os dias.

Nós Te pedimos pelos nossos irmãos e irmãs abatidos pelos seus afastamentos e que duvidam do perdão que Tu concedes a todos os que vêm a Ti”.

No final do Evangelho:

“Nosso Pai, Tu que fazes bom acolhimento aos pecadores como nós e que nos convidas à mesa do teu Filho, nós Te bendizemos. Alegras-te pela ovelha e pela moeda reencontradas e pelo regresso do filho perdido.

Nós Te pedimos. Pelo teu Espírito, inspira as nossas intenções. Dá-nos o desejo de voltar para Ti. Partilha connosco a tua alegria pelo regresso dos teus filhos que se afastaram”.

4. BILHETE DE EVANGELHO.

Quando somos incomodados, geralmente recriminamos ou acusamos. Os fariseus e os escribas recriminam Jesus porque acolheu bem os pecadores. O filho mais velho da parábola recrimina o seu pai porque acolhe, com os braços abertos, o filho mais novo. Recriminam porque os seus corações estão fechados, recriminam porque eles próprios não podem acolher. De facto, não estarão eles a recriminar-se a si mesmos? O caminho está em acolher e deixar-se acolher…

5. À ESCUTA DA PALAVRA.


A parábola do filho pródigo é a mais conhecida das três “parábolas da misericórdia”.

Mas as duas primeiras dão-nos também uma grande luz. Recordemos que as ovelhas tinham grande importância para o pastor. Não se pode aceitar que ele perdesse uma.

Quanto à dracma, era uma soma importante. Basta pensar que uma família inteira podia viver um dia com duas dracmas. Compreende-se que a mulher que a perdeu, tudo faça para a encontrar. Jesus precisa: o pastor procura a sua ovelha perdida “até a encontrar”; a mulher procura a dracma perdida “até a encontrar”. Através destas duas personagens, é o Pai que Jesus nos quer mostrar. Eis como o nosso Pai age: diante dos homens que se afastam d’Ele, que vão por caminhos de perdição, Ele parte à sua procura, mas nunca pára esta procura. Quando há um naufrágio, efectuam-se procuras para encontrar as vítimas. Mas, ao fim de um certo tempo, acabam-se estas procuras: já não há mais esperança! Mas não para Deus. Ele vai até ao fim, Ele encontrará de qualquer modo a sua criatura perdida. Mas onde? É na morte, consequência última da recusa do amor, que cai o homem. É na morte que Jesus irá para encontrar a humanidade perdida. E aí, no fundo das nossas trevas, que faz o pastor? Enche-se de cólera, bate na sua ovelha infiel, obriga-a a subir todo o caminho pelos seus próprios meios? Não! Nada disso! Quando a encontra, leva-a aos ombros.

Jesus pega o homem aos ombros, poupa-lhe a dificuldade da subida para a luz. Como dizer mais explicitamente a gratuidade da salvação que Ele nos vem trazer? É a mesma luz do Pai que acolhe o seu filho sem nada lhe pedir, que lhe dá gratuitamente a sua dignidade de homem livre o seu lugar de filho, como se nada se tivesse passado. Como não transbordar de alegria diante de um tal Deus?

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

Pode-se escolher a Oração Eucarística I para a Reconciliação. As orações que precedem a consagração referem-se aos temas do Evangelho.

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…


Entrar na alegria do nosso Pai… No Evangelho de hoje, Lucas oferece-nos três parábolas para nos falar da Misericórdia de Deus nosso Pai: a ovelha perdida, a moeda perdida, o filho pródigo. Ser beneficiários deste perdão pleno de amor do nosso Pai é o desejo de todos nós. Mas não nos acontece, tal como o filho mais velho, considerar que alguns dos nossos irmãos são imperdoáveis e, por vezes, acolher com cólera sanções da justiça que nos parecem demasiado clementes? Vamos recusar entrar na alegria do nosso Pai, que Se compraz a conceder a sua graça?

Grupo Dinamizador

Pe. Joaquim Garrido – Pe. Manuel Barbosa – Pe. Ornelas Carvalho
Fonte: www.presbiteros.com.br/site/roteiro-homiletico-%E2%80%93-xxiv-domingo-do-tempo-comum-ano-c/

Imagem: aleximagerie.home.sapo.pt/eucaristia.htm

domingo, 5 de setembro de 2010

XXIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)



Roteiro Homilético – XXIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Dehonianos

(Província portuguesa dos sacerdotes do Coração de Jesus)

TEMA

A liturgia deste domingo convida-nos a tomar consciência de quanto é exigente o caminho do “Reino”. Optar pelo “Reino” não é escolher um caminho de facilidade, mas sim aceitar percorrer um caminho de renúncia e de dom da vida.

É, sobretudo, o Evangelho que traça as coordenadas do “caminho do discípulo”: é um caminho em que o “Reino” deve ter a primazia sobre as pessoas que amamos, sobre os nossos bens, sobre os nossos próprios interesses e esquemas pessoais. Quem tomar contacto com esta proposta tem de pensar seriamente se a quer acolher, se tem forças para a acolher… Jesus não admite meios-termos: ou se aceita o “Reino” e se embarca nessa aventura a tempo inteiro e “a fundo perdido”, ou não vale a pena começar algo que não vai levar a lado nenhum (porque não é um caminho que se percorra com hesitações e com “meias tintas”).

A primeira leitura lembra a todos aqueles que não conseguem decidir-se pelo “Reino” que só em Deus é possível encontrar a verdadeira felicidade e o sentido da vida. Há, portanto, aí, um encorajamento implícito a aderir ao “Reino”: embora exigente, é um caminho que leva à felicidade plena.

A segunda leitura recorda que o amor é o valor fundamental, para todos os que aceitam a dinâmica do “Reino”; só ele permite descobrir a igualdade de todos os homens, filhos do mesmo Pai e irmãos em Cristo. Aceitar viver na lógica do “Reino” é reconhecer em cada homem um irmão e agir em consequência.

LEITURA I – Sab 9,13-19

Qual o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Quem pode sondar as intenções do Senhor? Os pensamentos dos mortais são mesquinhos e inseguras as nossas reflexões, porque o corpo corruptível deprime a alma e a morada terrestre oprime o espírito que pensa. Mas podemos compreender o que está sobre a terra e com dificuldade encontramos o que temos ao alcance da mão. Quem poderá então descobrir o que há nos céus? Quem poderá conhecer, Senhor, os vossos desígnios, se Vós não lhe dais a sabedoria e não lhe enviais o vosso espírito santo? Deste modo foi corrigido o procedimento dos que estão em terra, os homens aprenderam as coisas que Vos agradam e pela sabedoria foram salvos.

AMBIENTE

O Livro da Sabedoria é um texto de carácter sapiencial (isto é, cujo objectivo é transmitir a “sabedoria”, identificada com a arte de bem viver, de ter êxito e de ser feliz). O autor apresenta-se como um “rei”, apaixonado pela “sabedoria” e que construiu um templo na “montanha santa” e um altar na “cidade da habitação de Deus” (Sab 9,6-8). Tudo indica, pois, que o autor quer apresentar-se como sendo o rei Salomão; mas trata-se de um livro escrito na primeira metade do séc. I a.C. (Salomão é da primeira metade do séc. X a.C.) por um judeu piedoso, provavelmente pertencente à comunidade judaica de Alexandria. O objectivo do autor é duplo: por um lado, dirige-se aos seus compatriotas, mergulhados no paganismo, na idolatria e na imoralidade, e mostra-lhes as vantagens de perseverar na fé e de viver na justiça; por outro lado, dirige-se aos pagãos e apresenta-lhes a superioridade da fé e dos valores israelitas. O autor exprime-se em termos e concepções do mundo helénico, esforçando-se por exprimir a sua fé e as suas convicções numa linguagem actualizada, erudita, bem ao gosto da cultura grega da época.

O texto que nos é apresentado é o final da segunda parte do livro (cf. Sab 6,1-9,18).

Aí, o autor coloca na boca de um rei (Salomão, embora o nome nunca seja referido explicitamente) o elogio da “sabedoria”.

MENSAGEM

A questão fundamental para o autor do texto é esta: só essa sabedoria que é um dom de Deus permite ao homem compreender tudo, fazer o que agrada a Deus e ser salvo.

O autor parte da constatação da nossa finitude, das nossas limitações, das nossas dificuldades típicas de seres humanos, para concluir: por nós, não conseguimos compreender o alcance das coisas, não conseguimos descobrir o verdadeiro sentido da nossa vida, apercebermo-nos dos valores que nos levam, verdadeiramente, pelo caminho da vida e da felicidade. Como chegar, portanto, a “conhecer os desígnios de Deus”? O autor só encontra uma resposta: o homem tem de acolher a “sabedoria”, dom de Deus para todos aqueles que estão interessados em dar um verdadeiro sentido à sua vida. Só a acção de Deus que derrama sobre os homens a “sabedoria” permite encontrar o sentido da vida e discernir o verdadeiro do falso, o importante do inútil.
ACTUALIZAÇÃO

A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes dados:

* Face ao contínuo cruzamento de perspectivas, de desafios, de teorias, ficamos confusos e sem saber, tantas vezes, como escolher. Por outro lado, as nossas escolhas acabam, tantas vezes, por ser condicionadas pelos “media”, pelo politicamente correcto, pela ideologia dominante, pela moda, pelos valores que as telenovelas impõem, pelas ideias das pessoas que nos rodeiam, pela filosofia da empresa que nos paga ao fim do mês… Será que esses caminhos que nos são mais ou menos impostos nos conduzem no sentido da vida plena, da realização total, da felicidade?

* Para os crentes, o critério que serve para julgar a validade ou a não validade dessas propostas é o Evangelho – embora, muitas vezes, ele se apresente em absoluta contradição com os valores que a sociedade propõe e impõe. Como é que eu me situo face a isto? O que é que vale mais, quando tenho de decidir: os valores do Evangelho, ou as propostas dessa máquina trituradora, impositiva, limitadora das escolhas individuais que é a opinião pública?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 89 (90)

Refrão: Senhor, tendes sido o nosso refúgio através das gerações.

Vós reduzis o homem ao pó da terra

e dizeis: «Voltai, filhos de Adão».

Mil anos a vossos olhos são como o dia de ontem que passou

e como uma vigília da noite.

Vós os arrebatais como um sonho,

como a erva que de manhã reverdece;

de manhã floresce e viceja,

à tarde ela murcha e seca.

Ensinai-nos a contar os nossos dias,

para chegarmos à sabedoria do coração.

Voltai, Senhor! Até quando…

Tende piedade dos vossos servos.

Saciai-nos desde a manhã com a vossa bondade,

para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias.

Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus.

Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos.

LEITURA II – Flm 9b-10.12-17
Caríssimo: Eu, Paulo, prisioneiro por amor de Cristo Jesus, rogo-te por este meu filho, Onésimo, que eu gerei na prisão. Mando-o de volta para ti, como se fosse o meu próprio coração. Quisera conservá-lo junto de mim, para que me servisse, em teu lugar, enquanto estou preso por causa do Evangelho. Mas, sem o teu consentimento, nada quis fazer, para que a tua boa acção não parecesse forçada, mas feita de livre vontade. Talvez ele se tenha afastado de ti durante algum tempo, a fim de o recuperares para sempre, não já como escravo, mas muito melhor do que escravo: como irmão muito querido. É isto que ele é para mim e muito mais para ti, não só pela natureza, mas também aos olhos do Senhor. Se me consideras teu amigo, recebe-o como a mim próprio.

AMBIENTE

A Carta a Filémon é a mais breve e pessoal das cartas de Paulo. É endereçada a um tal Filémon, aparentemente um membro destacado da Igreja de Colossos.

A partir dos dados da carta, podemos reconstruir as circunstâncias em que o texto aparece. Onésimo, escravo de Filémon, fugiu de casa do seu senhor. Encontrou Paulo, ligou-se a ele e tornou-se cristão. Paulo, que nessa altura estava na prisão (em Éfeso? Em Roma?), fê-lo seu colaborador e manteve-o junto de si. No entanto, a situação podia tornar-se delicada se Filémon se ofendesse com Paulo; e, do ponto de vista legal, ao dar guarida a um escravo fugitivo, Paulo era cúmplice de uma grave infracção ao direito privado. Enfim, Onésimo corria o risco de ser preso, devolvido ao seu senhor e severamente castigado.

É neste contexto que Paulo resolve enviar Onésimo a Filémon. Onésimo leva consigo uma carta, em que Paulo explica a Filémon a situação e intercede pelo escravo fugitivo. Com extrema delicadeza, Paulo insinua a Filémon que, sendo possível, lhe devolva Onésimo, já que este lhe vem sendo de grande utilidade; no entanto, Paulo pede, sugere, mas sem impor nada e deixando a decisão nas mãos de Filémon.

É um texto belíssimo, carregado de sentimentos, “verdadeira obra-prima de tacto e de coração”.

MENSAGEM

O que está em causa neste texto é muito mais do que um problema privado, embora com alcance social; é, sobretudo, um problema eclesial (embora com implicações sociais), e que deve ser resolvido a partir desse valor supremo da ética cristã que é o amor.

Para Paulo, o amor deverá ser a suprema e insubstituível norma que dirige e condiciona as palavras, os comportamentos, as decisões dos crentes. Ora, o amor tem consequências bem práticas, que os membros da comunidade cristã não podem olvidar: implica o ver em cada homem um irmão – independentemente da sua raça, da sua cor, ou do seu estatuto social. Vistas as coisas nesta perspectiva, não é de estranhar que Paulo solicite a Filémon que receba Onésimo não como o que era antes (um escravo), mas sim como é agora – um irmão em Cristo. Se Filémon é, de facto, cristão, é essa a atitude que deve assumir para com Onésimo.

O problema da escravatura deve ter-se posto, desde muito cedo, à comunidade eclesial. Mas os cristãos cedo perceberam que a solução não estava na violência ou na revolta, mas no levar até às últimas consequências a fraternidade que une todos os homens e que resulta do facto de todos serem “filhos de Deus” e irmãos em Cristo. A violência, quando muito, serviria para substituir uns escravos por outros, sem alterar a situação; só o amor poderia mudar o coração dos homens, de forma a acabar com a exploração do homem pelo outro homem. A conversão ao amor – exigência fundamental para integrar a comunidade eclesial – exige o reconhecimento da igualdade fundamental de todos os homens (“sem distinção entre judeu ou grego, entre escravo ou homem livre, entre homem ou mulher, porque todos são um só em Cristo Jesus”, dirá Paulo – Gal 3,28). A partir do amor, o “dono” do escravo descobre a igualdade profunda de todos os homens, filhos do mesmo Deus e irmãos em Cristo; a partir do amor, o escravo descobre a afirmação clara da sua dignidade de homem. É esta a questão fundamental que o texto nos apresenta.

ACTUALIZAÇÃO

Para a reflexão, considerar as seguintes questões:

* O amor – elemento que está no centro da experiência cristã – exige ao cristão o reconhecimento efectivo da igualdade de todos as pessoas, apesar das diferenças de cor da pele, de estatuto social, de sexo, de opções políticas. O meu comportamento para com aqueles que comigo se cruzam é sempre consequente com esta exigência? A cor da pele alguma vez me levou a discriminar alguém? O facto de uma pessoa ser pobre ou rica já alguma vez me levou a tratá-la com mais ou menos consideração? O facto de uma pessoa ser homem ou mulher já alguma vez me levou a dar-lhe mais ou menos importância ou dignidade?

* O amor – elemento que está no centro da experiência cristã – exige que as nossas comunidades sejam espaços de comunhão, de fraternidade, de acolhimento, sejam quais forem os defeitos dos irmãos. As nossas comunidades têm facilidade em acolher? Como são tratados os “diferentes” ou, então, aqueles que se afastaram ou que cometeram alguma falta? Acolhemo-los com amor, ou marcamolos toda a vida com o estigma da suspeita e da desconfiança?

ALELUIA - Salmo 118 (119), 135

Aleluia. Aleluia.

Fazei brilhar sobre mim, Senhor, a luz do vosso rosto e ensinai-me os vossos mandamentos.

EVANGELHO – Lc 14,25-33

Naquele tempo, seguia Jesus uma grande multidão. Jesus voltou-Se e disse-lhes: «Se alguém vem ter comigo, sem Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo. Quem de entre vós, que, desejando construir uma torre, Não se senta primeiro a calcular a despesa, para ver se tem com que terminá-la? Não suceda que, depois de assentar os alicerces, se mostre incapaz de a concluir e todos os que olharem comecem a fazer troça, dizendo: ‘Esse homem começou a edificar, mas não foi capaz de concluir’. E qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro a considerar se é capaz de se opor, com dez mil soldados, àquele que vem contra com ele com vinte mil? Aliás, enquanto o outro ainda está longe, manda-lhe uma delegação a pedir as condições de paz. Assim, quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo».

AMBIENTE

Estamos, ainda, no “caminho para Jerusalém”. Desta vez, o ensinamento de Jesus dirige-se “às multidões”, quer dizer, a todos os discípulos presentes e futuros de Jesus.

A parábola anterior (cf. Lc 14,15-24) havia sugerido que o “banquete do Reino” estava aberto a todos os que aceitassem o convite de Jesus, inclusive aos pobres, estropiados, cegos e coxos… Agora, Lucas vai apresentar algumas exigências que devem cumprir todos aqueles que entram no “banquete do Reino”. A “instrução” reúne diversos ensinamentos de Jesus sobre a condição dos discípulos, predominando o tema da renúncia.

MENSAGEM

Quais são então, na perspectiva de Jesus, as exigências fundamentais para quem quer seguir o “caminho do discípulo” e chegar a sentar-se à mesa do “Reino”? Jesus põe três exigências, todas elas subordinadas ao tema da renúncia.

A primeira exige o preferir Jesus à própria família (vers. 26). A este propósito, Lucas põe na boca de Jesus uma expressão muito forte. Literalmente, podemos traduzir o verbo “misséô” aqui utilizado como “odiar” (“quem não odeia o pai, a mãe… não pode ser meu discípulo”). Para ser discípulo, é preciso odiar alguém? Não. Segundo a maneira oriental de falar, “odiar” significa “pôr em segundo lugar algo porque, entretanto, apareceu na vida da pessoa um valor que ainda é mais importante”. É evidente que Jesus não está a pedir o ódio a ninguém, muito menos a esses a quem nos ligam laços de amor… Está, sim, a exigir que as relações familiares não nos impeçam de aderir ao “Reino”. Se for necessário escolher, a prioridade deve ser do “Reino”.

A segunda exige a renúncia à própria vida (vers. 27). O discípulo de Jesus não pode viver a fazer opções egoístas, colocando em primeiro lugar os seus interesses, os seus esquemas, aquilo que é melhor para ele; mas tem de colocar a sua vida ao serviço do “Reino” e fazer da sua vida um dom de amor aos irmãos, se necessário até à morte. Foi esse, de facto, o caminho de Jesus; e o discípulo é convidado a imitar o mestre.

A terceira exige a renúncia aos bens (vers. 33). Jesus sabe que os bens podem facilmente transformar-se em deuses, tornando-se uma prioridade, escravizando o homem e levando-o a viver em função deles; assim sendo, que espaço fica para o “Reino”? Por outro lado, dar prioridade aos bens significa viver de forma egoísta, esquecendo as necessidades dos irmãos; ora, viver na dinâmica do “Reino” implica viver no amor e deixar que a vida seja dirigida por uma lógica de amor e de partilha… Pode, então, viver-se no “Reino” sem renunciar aos bens? Com este rol de exigências, fica claro que a opção pelo “Reino” não é um caminho de facilidade e, por isso, talvez não seja um caminho que todos aceitem seguir. É por isso que Jesus recomenda o pesar bem as implicações e as consequências da opção pelo “Reino”. A parábola do homem que, antes de construir uma torre, pensa se tem com que terminá-la (vers. 28-30) e a parábola do rei que, antes de partir para a guerra, pensa se pode opor-se a outro rei com forças superiores (vers. 31-32) convidam os candidatos a discípulos tomar consciência da sua força, da sua vontade, da sua decisão em corresponder aos desafios do Evangelho e em assumir, com radicalidade, as exigências do “Reino”.

ACTUALIZAÇÃO

Para reflectir e partilhar, considerar as seguintes questões:

* Jesus não é um demagogo que faz promessas fáceis e cuja preocupação é juntar adeptos ou atrair multidões a qualquer preço. Ele é o Deus que veio ao nosso encontro com uma proposta de salvação, de vida plena; no entanto, essa proposta implica uma adesão séria, exigente, radical, sem “paninhos quentes” ou “meias tintas”. O caminho que Jesus propõe não é um caminho de “massas”, mas um caminho de “discípulos”: implica uma adesão incondicional ao “Reino”, à sua dinâmica, à sua lógica; e isso não é para todos, mas apenas para os discípulos que fazem séria e conscientemente essa opção. Como é que eu me situo face a isto? O projecto de Jesus é, para mim, uma opção radical, que eu abracei com convicção e a tempo inteiro ou um projecto em que eu vou estando, sem grande esforço ou compromisso, por inércia, por comodismo, por tradição?

* A forma exigente como Jesus põe a questão da adesão ao “Reino” e à sua dinâmica faz-nos pensar na nossa pastoral – vocacionada para ser uma pastoral de massas – e na tentação que sentem os agentes da pastoral no sentido de facilitar as coisas, de não serem exigentes… Às vezes, interessa mais que as estatísticas da paróquia apresentem um grande número de baptizados, de casamentos, de crismas, de comunhões, do que propor, com exigência, a radicalidade do Evangelho e dos valores de Jesus… O caminho cristão é um caminho de facilidade, onde cabe tudo, ou é um caminho verdadeiramente exigente, onde só cabem aqueles que aceitam a radicalidade de Jesus? A nossa pastoral deve facilitar tudo, ou ir pelo caminho da exigência?

* Às vezes, as pessoas procuram a comunidade cristã por tradição, por influências do meio social ou familiar, porque “a cerimónia religiosa fica bonita nas fotografias”… Sem recusarmos nada, devemos, contudo, fazê-las perceber que a opção pelo baptismo ou pelo casamento religioso é uma opção séria e exigente, que só faz sentido no quadro de um compromisso com o “Reino” e com a proposta de Jesus.

* Dentro do quadro de exigências que Jesus apresenta aos discípulos, sobressai a exigência de preferir Jesus à própria família. Isso não significa, evidentemente, que devamos rejeitar os laços que nos unem àqueles que amamos… No entanto, significa que os laços afectivos, por mais sagrados que sejam, não devem afastarnos dos valores do “Reino”. As pessoas têm mais importância para mim do que o “Reino”? Já me aconteceu renunciar aos valores do “Reino” por causa de alguém?

* Outra exigência que Jesus faz aos discípulos é a renúncia à própria vida e o tomar a cruz do amor, do serviço, do dom da vida. O que é mais importante para mim: os meus interesses, os meus valores egoístas, ou o serviço dos irmãos e o dom da vida?

* Uma terceira exigência de Jesus pede aos candidatos a discípulos a renúncia aos bens. Os bens, a procura da riqueza são, para mim, uma prioridade fundamental? O que é mais importante: a partilha, a solidariedade, a fraternidade, o amor aos outros, ou o ter mais, o juntar mais?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM

(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 23º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. CONVIDAR A CONTEMPLAR A CRUZ.

Se houver uma cruz bem situada, pode-se enfeitá-la com flores ou iluminá-la com um projector… No momento penitencial, o presidente da assembleia pode convidar os fiéis a olhar para a cruz… Pode ainda aproveitar todo esse simbolismo durante a homilia.

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:

“Pai do céu, quem pode descobrir as tuas intenções e descobrir a tua vontade? Mas nós podemos bendizer-Te por Jesus, por quem comunicaste a tua Sabedoria, e pelo Espírito Santo, que Tu nos deste.

Nós Te pedimos pelos pais e educadores, catequistas e pregadores. Que o teu Espírito seja a sua Sabedoria, que Ele os sustente e os guie”.

No final da segunda leitura:

“Deus nosso Pai, nós Te damos graças pelo baptismo, que é um novo nascimento.

Por ele deste-nos a vida no teu Filho Jesus.

Nós Te pedimos pelos mediadores e conciliadores, que se dedicam a restaurar o diálogo nos conflitos profissionais e noutros conflitos. Pelo teu Espírito, orienta os nossos pensamentos e os nossos esforços na procura da conciliação”.

No final do Evangelho:

“Deus nosso Pai, como bom empreendedor Tu construíste pacientemente a nova torre que nos liga a Ti e une o céu e a terra. Colocaste as fundações e pelo teu Espírito acabas em nós a obra começada.

Nós Te pedimos por todos nós, teu povo, que chamas a seguir-Te. Confiamos-Te todos aqueles que levam cruzes pesadas”.

4. BILHETE DE EVANGELHO.

O que Jesus critica nos dois heróis das parábolas é o facto de não terem tomado tempo para se sentar. Ora, Ele propõe estas duas parábolas no momento em que convida os seus discípulos a segui-l’O sem condições, e mesmo a levar a sua cruz, isto é, a aceitar as provas que seguirão ao seu compromisso. Quer dizer que, antes de seguir Jesus, é preciso reservar tempo para a reflexão. Jesus não esconde as exigências, mas é preciso perguntar porque O seguimos, até onde O podemos seguir.

É a maneira de Jesus respeitar a liberdade do homem. Ele não quer discípulos que decidem segui-l’O sem mais nem menos. Ele não pede a mesma coisa a toda a gente, mas a cada um Ele pede para segui-l’O em função dos seus carismas. Mais uma razão para nos sentarmos e perguntar: quais são os meus carismas que quero pôr ao serviço do Reino?

5. À ESCUTA DA PALAVRA.

Podemos ainda comentar esta página do Evangelho? Jesus, decididamente, é demasiado duro, as suas exigências demasiado radicais: “Se alguém vem ter comigo, sem Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo… Quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo». Sem contar com este convite ao sofrimento: “Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo”.

Parece que Jesus quer desencorajar quem quer ser seu discípulo. Como compreender? Primeiro, é preciso compreender que Lucas escreve o seu Evangelho num contexto de perseguições. Alguns cristãos preferiam morrer a renegar a sua fé.

Outros, talvez os mais numerosos, escolhiam colocar, pelo menos momentaneamente, a sua fé entre parêntesis para salvar os seus bens, a sua família e a sua própria vida.

São Lucas quis, não tanto condenar estas fraquezas na fé, mas sobretudo dar um forte encorajamento àqueles que se mantinham firmes na fé, até à morte. Eram esses, os mártires, que tinham razão em seguir Jesus até no mistério da sua morte na cruz. O que nos podem estas palavras dizer hoje? O nosso mundo é duro em tantos domínios.

Por exemplo, talvez não se possa dizer que o sentido do casamento e da família, o valor da palavra dada para ser fiel ao seu marido, à sua esposa, sejam referências maiores da nossa cultura. Querer, neste mundo, ter em conta estes valores não somente “espirituais”, mas propriamente cristãos, fazer referência ao Evangelho, afirmar-se como crente em Jesus, numa sociedade “descristianizada”, não é evidente hoje. A maior parte tomou as suas distâncias em relação a Deus, à fé cristã. Então, a palavra de hoje é-nos dada para nos despertar e, ao mesmo tempo, para nos encorajar. Aqueles que, apesar de tudo e contra tudo, continuam a dar um lugar importante na sua vida a Jesus, têm razão. O Evangelho de hoje é um convite urgente a mantermo-nos na nossa fé, por mais que isso custe!
6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

Pode-se escolher a Oração Eucarística III que evoca, particularmente, a oblação de Cristo.

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…

Como O seguimos? No caminho, grandes multidões à procura de Jesus, com interesses muito variados! Era ontem! E nós, hoje, como o seguimos? Como um líder político? Uma estrela da canção? Um ídolo do futebol? “Jesus voltou-Se”, indicando claramente os desafios. Tornar-se seu discípulo é uma questão de preferência absoluta, num caminho que passa pela cruz.

Grupo Dinamizador
Pe. Joaquim Garrido – Pe. Manuel Barbosa – Pe. Ornelas Carvalhoz


Fonte: www.presbiteros.com.br/site/roteiro-homiletico-%E2%80%93-xxiii-domingo-do-tempo-comum-ano-c/

XXII Domingo do Tempo Comum (Ano C)



Roteiro Homilético – XXII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Dehonianos

(Província portuguesa dos sacerdotes do Coração de Jesus)


TEMA

A liturgia deste domingo propõe-nos uma reflexão sobre alguns valores que acompanham o desafio do “Reino”: a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado.

O Evangelho coloca-nos no ambiente de um banquete em casa de um fariseu. O enquadramento é o pretexto para Jesus falar do “banquete do Reino”. A todos os que quiserem participar desse “banquete”, Ele recomenda a humildade; ao mesmo tempo, denuncia a atitude daqueles que conduzem as suas vidas numa lógica de ambição, de luta pelo poder e pelo reconhecimento, de superioridade em relação aos outros… Jesus sugere, também, que para o “banquete do Reino” todos os homens são convidados; e que a gratuidade e o amor desinteressado devem caracterizar as relações estabelecidas entre todos os participantes do “banquete”.

Na primeira leitura, um sábio dos inícios do séc. II a.C. aconselha a humildade como caminho para ser agradável a Deus e aos homens, para ter êxito e ser feliz. É a reiteração da mensagem fundamental que a Palavra de Deus hoje nos apresenta.

A segunda leitura convida os crentes instalados numa fé cômoda e sem grandes exigências, a redescobrir a novidade e a exigência do cristianismo; insiste em que o encontro com Deus é uma experiência de comunhão, de proximidade, de amor, de intimidade, que dá sentido à caminhada do cristão. Aparentemente, esta questão não tem muito a ver com o tema principal da liturgia deste domingo; no entanto, podemos ligar a reflexão desta leitura com o tema central da liturgia de hoje – a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado – através do tema da exigência: a vida cristã – essa vida que brota do encontro com o amor de Deus – é uma vida que exige de nós determinados valores e atitudes, entre os quais avultam a humildade, a simplicidade, o amor que se faz dom.
LEITURA I – Sir 3,19-21.30-31

Filho, em todas as tuas obras procede com humildade e serás mais estimado do que o homem generoso. Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te e encontrarás graça diante do Senhor. Porque é grande o poder do Senhor e os humildes cantam a sua glória. A desgraça do soberbo não tem cura, porque a árvore da maldade criou nele raízes. O coração do sábio compreende as máximas do sábio e o ouvido atento alegra-se com a sabedoria.

AMBIENTE

Estamos no início do séc. II a.C., quando os selêucidas dominavam a Palestina. O helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Muitos judeus – incluindo membros de famílias de origem sacerdotal – deixavam-se seduzir pelo brilho da cultura helénica, começavam a abandonar os valores dos pais e a aderir aos valores da cultura invasora… Jesus Ben Sira é, no entanto, um judeu tradicional, orgulhoso da sua fé e dos valores israelitas. Consciente de que o helenismo ameaçava as raízes do seu Povo, vai escrever para defender o património religioso e cultural do judaísmo. Procura convencer os seus compatriotas de que Israel possui, na sua “Torah” revelada por Deus, a verdadeira “sabedoria” – uma “sabedoria” muito superior à “sabedoria” grega.

Aos israelitas seduzidos pela cultura grega, Jesus Ben Sira lembra a herança comum, procurando sublinhar a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega.

O texto que nos é proposto pertence à primeira parte do livro (cf. Ben Sira 1,1-23,38).

Aí fala-se da “sabedoria”, criada por Deus e oferecida a todos os homens. Nesta parte, dominam os “ditos” e “provérbios” que ensinam a arte de bem viver e de ser feliz.

MENSAGEM

O texto apresenta-se como uma “instrução” que um pai dá ao seu filho. O tema fundamental desta “instrução” é o da humildade.

Para Jesus Ben Sira, a humildade é uma das qualidades fundamentais que o homem deve cultivar. Garantir-lhe-á estima perante os homens e “graça diante do Senhor”.

Não se trata de uma forma de estar e de se apresentar reservada aos mais pobres e menos preparados; mas trata-se de algo que deve ser cultivado por todos os homens, a começar por aqueles que são considerados mais importantes. O autor não entra em grandes pormenores; limita-se a afirmar a importância da humildade e a propô-la, sem grandes desenvolvimentos nem explicações. O “sábio” autor destas “máximas” não tem dúvida de que é na humildade e na simplicidade que reside o segredo da “sabedoria”, do êxito, da felicidade.

ACTUALIZAÇÃO

Para a reflexão e partilha, considerar os seguintes dados:

* Ser humilde significa assumir com simplicidade o nosso lugar, pôr a render os nossos talentos, mas sem nunca humilhar os outros ou esmagá-los com a nossa superioridade. Significa pôr os próprios dons ao serviço de todos, com simplicidade e com amor. Quando somos capazes de assumir, com simplicidade e desprendimento, o nosso papel, todos reconhecem o nosso contributo, aceitamnos, talvez nos admirem e nos amem… É aí que está a “sabedoria”, quer dizer, o segredo do êxito e da felicidade.

* Ser soberbo significa que “a árvore da maldade criou raízes” no homem. O homem que se deixa dominar pelo orgulho torna-se egoísta, injusto, auto-suficiente e despreza os outros. Deixa de precisar de Deus e dos outros homens; olha todos com superioridade e pratica, com frequência, gestos de prepotência que o tornam temido, mas nunca admirado ou amado. Vive à parte, num egoísmo vazio e estéril. Embora seja conhecido e apareça nas colunas sociais, está condenado ao fracasso. É o “anti-sábio”.

* É preciso que os dons que possuímos não nos subam à cabeça, não nos levem a poses ridículas de orgulho, de superioridade, de desprezo pelos nossos irmãos. É preciso reconhecer, com simplicidade, que tudo o que somos e temos é um dom de Deus e que as nossas qualidades não dependem dos nossos méritos, mas do amor de Deus.

SALMO REPONSORIAL – Salmo 67 (68)

Refrão: Na vossa bondade, Senhor, preparastes uma casa para o pobre.

Os justos alegram-se na presença de Deus,

exultam e transbordam de alegria.

Cantai a Deus, entoai um cântico ao seu nome;

o seu nome é Senhor: exultai na sua presença.

Pai dos órfãos e defensor das viúvas,

é Deus na sua morada santa.

Aos abandonados Deus prepara uma casa,

conduz os cativos à liberdade.

Derramastes, ó Deus, uma chuva de bênçãos,

restaurastes a vossa herança enfraquecida.

A vossa grei estabeleceu-se numa terra

que a vossa bondade, ó Deus, preparara ao oprimido.

LEITURA II – Heb 12,18-19.22-24a

Irmãos: Vós não vos aproximastes de uma realidade sensível, como os israelitas no monte Sinai: o fogo ardente, a nuvem escura, as trevas densas ou a tempestade, o som da trombeta e aquela voz tão retumbante que os ouvintes suplicaram que não lhes falasse mais. Vós aproximastes-vos do monte Sião, da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste, de muitos milhares de Anjos em reunião festiva, de uma assembleia de primogénitos inscritos no Céu, de Deus, juiz do universo, dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição e de Jesus, mediador da nova aliança.

AMBIENTE

Estamos na quinta parte da Carta aos Hebreus (cf. 12,14-13,19). Depois de pedir a perseverança e a constância nas provas (cf. Heb 12,1-13), o autor vai pedir uma conduta consequente com a fé cristã: os crentes são exortados a manter e cultivar relações harmoniosas, adequadas, justas, para com os homens e para com Deus.

Neste texto, em concreto, o autor convida os destinatários da carta à fidelidade à vocação cristã. Para isso, estabelece um paralelo entre a antiga religião (que os destinatários da carta conheciam bem) e a nova proposta de salvação que Cristo veio apresentar. Os crentes são, assim, convidados a redescobrir a novidade do cristianismo – essa novidade que, um dia, os atraiu e motivou – e a aderir a ela com entusiasmo… Recordemos – para que as coisas façam sentido – que o escrito se destina a uma comunidade instalada, preguiçosa, que precisa descobrir os fundamentos reais da sua fé e do seu compromisso, a fim de enfrentar – com coragem e com êxito – os tempos difíceis de perseguição e de martírio que se aproximam.

MENSAGEM

O autor estabelece um profundo contraste entre a experiência de comunhão com Deus que Israel fez no Sinai e a experiência cristã.

A experiência do Sinai é descrita como uma experiência religiosa que gerou medo, opressão, mas não relação pessoal, proximidade, amor, comunhão, intimidade, confiança – nem com Deus, nem com os outros membros da comunidade do Povo de Deus. O quadro da revelação do Sinai é um quadro terrífico, que não fez muito para aproximar os homens de Deus, num verdadeiro encontro alicerçado no amor e na confiança. Por isso, não há que lamentar o desaparecimento de um tal sistema.

Na experiência cristã, em contrapartida, não há nada de assustador, de terrível, de opressivo. Pelo Baptismo, os cristãos aproximaram-se do próprio Deus, numa experiência de proximidade, de comunhão, de intimidade, de amor verdadeiro… A experiência cristã é, portanto, uma experiência festiva, de verdadeira alegria. Por essa experiência, os cristãos associaram-se a Deus, o santo, o juiz do universo, mas também o Deus da bondade e do amor; foram incorporados em Cristo, o mediador da nova aliança, irmanados com Ele, tornados co-herdeiros da vida eterna; associaramse aos anjos, numa existência de festa, de louvor, de acção de graças, de adoração, de contemplação; associaram-se aos outros justos que atingiram a vida plena, numa comunhão fraterna de vida e de amor.

A questão que fica no ar – mesmo se não é formulada explicitamente – é: não vale a pena apostar incondicionalmente nesta experiência e vivê-la com entusiasmo?

ACTUALIZAÇÃO

A reflexão e a actualização podem fazer-se a partir das seguintes linhas:

* A questão fundamental deste texto e do ambiente que o enquadra é propor-nos uma redescoberta da nossa fé e do sentido das nossas opções, a fim de superarmos a instalação, o comodismo e a preguiça que nos levam, tantas vezes, a uma caminhada cristã morna, sem exigências, sem compromissos, que facilmente cede e recua quando aparecem as dificuldades e os desafios…

* Jesus intimou-nos a superar a perspectiva de um Deus terrível, opressor, vingativo, de Quem o homem se aproxima com medo; em seu lugar, Ele apresentou-nos a religião de um Deus que é Pai, que nos ama, que nos convoca para a comunhão com Ele e com os irmãos e que insiste em associar-nos como “filhos” à sua família. Tenho consciência de que este é o verdadeiro rosto de Deus e que o Deus terrível, de quem o homem não se pode aproximar, é uma invenção dos homens?

ALELUIA - Mt 11,29ab

Aleluia. Aleluia.

Tomai o meu jugo sobre vós, diz o Senhor, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração.

EVANGELHO – Lc 14,1.7-14

Naquele tempo, Jesus entrou, a um sábado, em casa de um dos principais fariseus para tomar uma refeição. Todos O observavam. Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares, Jesus disse-lhes esta parábola: «Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante que tu; então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar. Por isso, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar; e quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobre mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado». Jesus disse ainda a quem O tinha convidado: «Quando ofereceres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos nem os teus irmãos, nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído. Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.

AMBIENTE

Esta etapa do “caminho de Jerusalém” põe Jesus à mesa, em dia de sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus. Deve tratar-se da refeição solene de sábado, que se tomava por volta do meio-dia, ao voltar da sinagoga. Para ela deviam convidar-se os hóspedes; durante a refeição, continuava-se a discussão sobre as leituras escutadas durante o ofício sinagogal.

Lucas é o único evangelista que mostra os fariseus tão próximos de Jesus que até o convidam para casa e se sentam à mesa com Ele (cf. Lc 7,36; 11,37). É provável que se trate de uma realidade histórica, embora Marcos e Mateus apresentem os fariseus como os adversários por excelência de Jesus (Mateus apresenta tal quadro influenciado, sem dúvida, pelas polémicas da Igreja primitiva com os fariseus).

Os fariseus formavam um dos principais grupos religioso-políticos da sociedade palestina desta época. Dominavam os ofícios sinagogais e estavam presentes em todos os passos religiosos dos israelitas. A sua preocupação fundamental era transmitir a todos o amor pela Torah, quer escrita, quer oral. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus; mas, ao absolutizarem a Lei, esqueciam as pessoas e passavam por cima do amor e da misericórdia. Ao considerarem-se a si próprios como “puros” (porque viviam de acordo com a Lei), desprezavam o “am aretz” (o “povo do país”) que, por causa da ignorância e da vida dura que levava, não podia cumprir integralmente os preceitos da Lei.

Conscientes das suas capacidades, da sua integridade, da sua superioridade, não eram propriamente modelos de humildade. Isso talvez explique o ambiente de luta pelos lugares de honra que o Evangelho refere.

Convém, também, ter em conta que estamos no contexto de um “banquete”. O “banquete” é, no mundo semita, o espaço do encontro fraterno, onde os convivas partilham do mesmo alimento e estabelecem laços de comunhão, de proximidade, de familiaridade, de irmandade. Jesus aparece, muitas vezes, envolvido em banquetes, não porque fosse “comilão e bêbedo” (cf. Mt 11,19), mas porque, ao ser sinal de comunhão, de encontro, de familiaridade, o banquete anuncia a realidade do “reino”.

MENSAGEM

O texto apresenta duas partes. A primeira (vers. 7-11) aborda a questão da humildade; a segunda (vers 12-14) trata da gratuidade e do amor desinteressado. Ambas estão unidas pelo tema do “Reino”: são atitudes fundamentais para quem quiser participar no banquete do “Reino”.

As palavras que Jesus dirigiu aos convidados que disputavam os lugares de honra não são novidade, pois já o Antigo Testamento aconselhava a não ocupar os primeiros lugares (cf. Prov 25,6-7); mas o que aí era uma exortação moral, nas palavras de Jesus converte-se numa apresentação do “Reino” e da lógica do “Reino”: o “Reino” é um espaço de irmandade, de fraternidade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os outros; quem quiser entrar nele, tem de fazer-se pequeno, simples, humilde e não ter pretensões de ser melhor, mais justo, ou mais importante que os outros. Esta é, aliás, a lógica que Jesus sempre propôs aos seus discípulos: Ele próprio, na “ceia de despedida”, comida com os discípulos na véspera da sua morte, lavou os pés aos discípulos e constituiu-os em comunidade de amor e de serviço – avisando que, na comunidade do “Reino”, os primeiros serão os servos de todos (cf. Jo 13,1-17).

Na segunda parte, Jesus põe em causa – em nome da lógica do “Reino” – a prática de convidar para o banquete apenas os amigos, os irmãos, os parentes, os vizinhos ricos.

Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus convidados para a mesa. Nas suas refeições, não convinha haver alguém de nível menos elevado, pois a “comunidade de mesa” vinculava os convivas e não convinha estabelecer obrigatoriamente laços com gente desclassificada e pecadora (por exemplo, nenhum fariseu se sentava à mesa com alguém pertencente ao “am aretz”, ao “povo da terra”, desclassificado e pecador).

Por outro lado, também os fariseus tinham a tendência – própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas – de convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma… A questão é que, dessa forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor desinteressado.

Jesus denuncia – em nome do “Reino” – esta prática; mas vai mais além e apresenta uma proposta verdadeiramente subversiva… Segundo Ele, é preciso convidar “os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos”. Os cegos, coxos e aleijados eram considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus, e por isso estavam proibidos de entrar no Templo (cf. 2 Sm 5,8) para não profanar esse lugar sagrado (cf. Lv 21,18-23). No entanto, são esses que devem ser os convidados para o “banquete”.

Já percebemos que, aqui, Jesus já não está simplesmente a falar dessa refeição comida em casa de um fariseu, na companhia de gente distinta; mas está já a falar daquilo que esse “banquete” anuncia e prefigura: o banquete do “Reino”.

Jesus traça aqui, portanto, os contornos do “Reino”. Ele é apresentado como um “banquete”, onde os convidados estão unidos por laços de familiaridade, de irmandade, de comunhão. Para esse “banquete”, todos – sem excepção – são convidados (inclusive àqueles que a cultura social e religiosa tantas vezes exclui e marginaliza). As relações entre os que aderem ao banquete do “Reino” não serão marcadas pelos jogos de interesses, mas pela gratuidade e pelo amor desinteressado; e os participantes do “banquete” devem despir-se de qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, para se colocarem numa atitude de humildade, de simplicidade, de serviço.

ACTUALIZAÇÃO

Para a reflexão, considerar as seguintes linhas:

* Na nossa sociedade, agressiva e competitiva, o valor da pessoa mede-se pela sua capacidade de se impor, de ter êxito, de triunfar, de ser o melhor… Quem tem valor é quem consegue ser presidente do conselho de administração da empresa aos trinta e cinco anos, ou o empregado com mais índices de venda, ou o condutor que, na estrada, põe em risco a sua vida, mas chega uns segundos à frente dos outros… Todos os outros são vencidos, incapazes, fracos, olhados com comiseração. Vale a pena gastar a vida assim? Estes podem ser os objectivos supremos, que dão sentido verdadeiro à vida do homem?

* A Igreja, fruto do “Reino”, deve ser essa comunidade onde se torna realidade a lógica do “Reino” e onde se cultivam a humildade, a simplicidade, o amor gratuito e desinteressado. É-o, de facto?

* Assistimos, por vezes, a uma corrida desenfreada na comunidade cristã pelos primeiros lugares. É uma luta – para alguns de vida ou de morte – em que se recorre a todos os meios: a intriga, a exibição, a defesa feroz do lugar conquistado, a humilhação de quem faz sombra ou incomoda… Para Jesus, as coisas são bastante claras: esta lógica não tem nada a ver com a lógica do “Reino”; quem prefere esquemas de superioridade, de prepotência, de humilhação dos outros, de ambição, de orgulho, está a impedir a chegada do “Reino”. Atenção: isto talvez não se aplique só àquela pessoa da nossa comunidade que detestamos e cujo nome nos apetece dizer sempre que ouvimos falar em gente que só gosta de mandar e se considera superior aos outros; isto talvez se aplique também em maior ou menor grau, a mim próprio.

* Também há, na comunidade cristã, pessoas cuja ambição se sobrepõe à vontade de servir… Aquilo que os motiva e estimula são os títulos honoríficos, as honras, as homenagens, os lugares privilegiados, as “púrpuras”, e não o serviço humilde e o amor desinteressado. Esta será uma atitude consentânea com a pertença ao “Reino”?

* Fica claro, na catequese que Lucas hoje nos propõe, que o tipo de relações que unem os membros da comunidade de Jesus não se baseia em “critérios comerciais” (interesses, negociatas, intercâmbio de favores), mas sim no amor gratuito e desinteressado. Só dessa forma todos – inclusive os pobres, os humildes, aqueles que não têm poder nem dinheiro para retribuir os favores – aí terão lugar, numa verdadeira comunidade de amor e de fraternidade.

* Os cegos e coxos representam, no Evangelho que hoje nos é proposto, todos aqueles que a religião oficial excluía da comunidade da salvação; apesar disso, Jesus diz que esses devem ser os primeiros convidados do “banquete do Reino”. Como é que os pecadores notórios, os marginais, os divorciados, os homossexuais, as prostitutas são acolhidos na Igreja de Jesus?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 22º DOMINGO DO TEMPO COMUM

(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 22º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. FAZER ECO DA PALAVRA.

Depois da comunhão (a mesa onde os pobres são reis…), poder-se-ia reler, em fundo musical, algumas passagens da liturgia da Palavra. Por exemplo: “cumpre todas as coisas com humildade…”; “vai sentar-te no último lugar…”; “convida aqueles que não têm nada para te retribuir…”

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:

“Deus criador e mestre do universo, proclamamos a grandeza do teu poder e, ao mesmo tempo, a humildade do teu Filho Jesus. Ele tornou-se pequeno para nascer entre os homens e aceitou a humilhação suprema, a da cruz.

Nós Te pedimos pelas nossas sociedades onde triunfam os dominadores e os poderosos. Que o teu Espírito nos impregne, que Ele nos livre do orgulho”.

No final da segunda leitura:

“Deus vivo, nós Te damos graças por Jesus, o mediador da nova Aliança, que nos introduziu na Jerusalém celeste e na assembleia dos santos e que inscreveu o nosso nome nos céus.

Nós Te confiamos todas as comunidades cristãs desencorajadas pela modéstia dos seus efectivos e pela falta de consideração”.

No final do Evangelho:

“Pai, Tu que nos convidas à mesa de teu Filho, nós Te damos graças porque nos chamas a avançar mais alto e nos elevas pela confiança que nos fazes e a estima que nos concedes, a nós que somos pecadores.

Nós Te recomendamos as nossas irmãs e irmãos que se ocupam das nossas sociedades, preparando-lhes a mesa e dando-lhes a sua dignidade”.

4. BILHETE DE EVANGELHO.

Jesus pode falar de gratuidade porque a sua vinda à terra é um dom gratuito de Deus, é uma graça, este amor gratuito, gracioso de Deus. E Deus não nos ama porque merecemos, mas porque não pode senão amar-nos, pois Ele é Amor. Então, Jesus pede ao homem, criado à imagem de Deus, para amar como Deus ama, isto é, gratuitamente, esperando ser declarado justo na ressurreição dos mortos. Trata-se de uma verdadeira revolução nas relações entre eles: pôr o dom em primeiro lugar e ter em resposta apenas a alegria de ter dado. Jesus vai mesmo ao ponto de declarar felizes aqueles que têm o sentido do gratuito nas suas relações humanas.

5. À ESCUTA DA PALAVRA.

Há muitos “manuais de boas maneiras” para saber como organizar uma festa, uma recepção, para que cada convidado se encontre à vontade à mesa, não se sinta ferido na sua honra – ou na sua vaidade! Hoje, Jesus dá-nos indicações de protocolo: “Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante que tu; então, aquele que vos convidou a ambos terá de te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar”. Jesus não quer que soframos uma humilhação! Não vai longe o tempo em que, na Igreja, se dizia: “Para crescer em humildade, é preciso suportar humilhações!” Mas suportar humilhações leva geralmente a ser humilhado, mas não a se tornar humilde! Ora Jesus, precisamente, não quer que sejamos humilhados. Deseja mesmo que sejamos honrados. Ele veio para que cada um ganhe de novo a sua verdadeira dignidade, volte a manter-se de pé.

Mas, evidentemente, Jesus não se contenta em nos ensinar como nos comportarmos em sociedade. Ele convida-nos, na realidade, a um exercício de lucidez sobre nós próprios. Todos desejamos dar de nós mesmos uma imagem positiva, valorizadora.

Mas o que os outros percebem de mim não corresponde necessariamente ao que gostaria que eles vissem. E eu próprio vejo os outros a partir das minhas próprias impressões e sentimentos. Então, seguindo o meu temperamento, terei, por exemplo, um complexo de inferioridade, pensando ser um eterno compreendido. Desvalorizarme ei aos meus próprios olhos. Sentir-me-ei mal na própria pele. Ou terei um complexo de superioridade, seguro do meu valor. Procurarei mostrar-me, fazer-me ver, ocupar os primeiros lugares, com o risco de esmagar os outros e humilhá-los. Isso é da psicologia elementar? Mas Jesus sabe bem que a psicologia é importante.

Somente vai mais longe. Convida-nos a juntarmo-nos ao olhar de Deus sobre nós, sobre os outros. Só Ele é capaz de amar cada ser humano como ele é, porque só Ele nos olha unicamente e sempre à luz do seu amor. Colocarmo-nos nesta luz é ainda a melhor maneira de nos amarmos humildemente a nós mesmos para amar os outros em verdade.

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

Pode-se escolher a Oração Eucarística II para Assembleias com Crianças.

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…

Difícil questão… Com que critérios estabelecemos a lista dos nossos convidados quando preparamos uma refeição festiva? Decididamente, uma vez mais, a lógica de Jesus não é a nossa. Acontece convidarmos à nossa mesa pobres, estropiados, semabrigo, crianças perdidas nas ruas… mais que a nossa família, os amigos, as nossas relações de negócios? Difícil questão, que evitamos talvez tomar demasiado a sério. E se nesta semana a deixássemos ressoar um pouco em nós mesmos?


Grupo Dinamizador
Pe. Joaquim Garrido – Pe. Manuel Barbosa – Pe. Ornelas Carvalho


Fonte: www.presbiteros.com.br/site/roteiro-homiletico-%E2%80%93-xxii-domingo-do-tempo-comum-ano-c/